Cobrinha cú-de-cana

Esta estória se passou há dez anos atrás, quando eu e meu primo Adriano fomos pescar na Lagoa do CATRE, hoje denominado BANT. Naquela época, minha pescaria era meramente artesanal, não investia muito em equipamentos, quer dizer, não investia nada em equipamentos; pescávamos mesmo com varejão de três metros, na tão famosa pesca de “pindaíba”, que segundo o nosso Aurélio, quer dizer “falta de dinheiro”.

Chegávamos por volta das 13h e ficávamos pescando uns tapacás, que naquela época já eram abundantes. Em pouco tempo, enchíamos uma enfieira, e como era de costume, já íamos tratando os bichinhos, para não ter que faze-lo em casa, até que chegasse a hora da verdadeira pescaria que tínhamos ido fazer. …a pesca da traíra. Naquela época, costumávamos pegar traíras de até três quilos. Era mesmo de tremer a vara, quando uma agarrava o anzol.

A lagoa não tinha suas margens tão devastadas, quanto é hoje. Havia muita vegetação e os juncos tomavam conta de toda a beira d’água, o que proporcionava ótimos pesqueiros.

Nesse dia, por volta das 17h, começamos a nos preparar para pegarmos as nossas primeiras traíras, pois já era hora boa. Como ninguém é de ferro, e precisávamos de algo que aquecesse a noite que já vinha caindo, levávamos uma garrafa de cachaça, que de trago em trago, já beirava o meio. Não demorou, e as primeiras traíras bateram nos anzóis, devidamente iscados com pedaços de tapacás. A noite começara a cair, quando ouvimos bem próximos, um tipo de som, muito parecido com miado de gato. Era quase um gatinho desesperado, e não parava um só instante. Aquilo me deixou nervoso e indaguei com meu primo, o que seria aquilo, que prontamente respondeu:

– Você nunca havia ouvido esse barulho?…é o barulho de um caçote sendo engolido por uma cobra.
– O que é um caçote? Perguntei de imediato!
– É um tipo de rã que fica na beira das lagoas, e que é a melhor isca para pegar traíra que eu conheço. Disse ele já se levantando, com a intenção de procurar a cobra, e capturá-la, para  pegarmos o caçotinho para fazê-lo de isca.

Procuramos, por cerca de cinco minutos, seguindo o som do “miado” do caçote em meio aos juncos e encontramos o bichinho com a metade do corpo dentro do maxilar de uma cobra corre-campo de quase um metro de comprimento. A cobra estava imóvel, pois é assim que ela fica quando está se alimentando, e não teve a intenção de fugir; o que facilitou que a pegássemos e retirássemos de sua boca a  pequenina rã.

Pequenina era o modo de dizer, pois a mesma tinha de largura de corpo quase três vezes a largura da cabeça da cobra. Para engolir a rã com todo aquele diâmetro de corpo, a cobra dilatou o maxilar para conseguir engoli-la e permaneceu assim por algum tempo quando retiramos o bichinho de sua boca. Ao ver aquela boca toda “arreganhada” quis fazer uma experiência e coloquei um gole de cachaça goela à  dentro da cobrinha e a soltei no chão pra ver a sua reação que não foi outra; a cobra se contorceu por um instante e disparou para dentro do mato sem deixar vestígio. …após algumas risadas, por ver o desespero da cobra, cortamos o caçote em quatro pedaços e iscamos os anzóis com a certeza de pegarmos boas traíras.

Já quase escurecendo e com os anzóis na água à espera da fisgada, o silêncio do crepúsculo que até então só era quebrado pela cantiga de sapos e de grilos, foi estremecido por um som de um chicote, seguido do grito, quase de parto, de meu primo, que largou a vara da mão, pulou por cima do junco e caiu dentro d’água, com os olhos esbugalhados.  Assustado, olhei para o local onde ele estava e fiquei perplexo ao ver aquela cena: a cobra que achávamos que tínhamos sacaneado, voltara com mais dois caçotes na boca, para trocar por mais uma dose de cachaça.

Daquele dia em diante, não nos faltou caçote para pegarmos traíra, pois fizemos uma parceria e sempre que íamos pescar, levávamos uma garrafa de cana e ao chegar na lagoa já encontrávamos com a cobrinha às margens com uma meia dúzia de caçotes já a nossa espera, até o dia que a encontramos morta, toda inchada, com os sintomas de cirrose.

Como ela morreu eu não sei, só sei que foi assim!

Vejam as fotos da bichinha!

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Sobre o autor

Roberto Menks

 
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