Matrinchã

Recordar é viver…  Eu ontem sonhei com você…

Pois é, pessoal, apesar de antiga, essa música não perdeu a atualidade…

Quando não estamos pescando, estamos pensando em pesca. Em São Paulo, é comum aos sábados, quando não tem pescaria, o pessoal freqüentar as lojas do ramo em busca de parceiros de hobby para bate papos desinteressados, onde sempre acabam aprendendo alguma coisa, se não de pesca, pelo menos da natureza humana. Por aqui não existe esse costume, mesmo porque não existem lojas com essa mentalidade.

Lembrei-me disso porque foi numa dessas pescarias “no seco”, na loja do Quico Guarnieri, em Santo Amaro, onde conhecemos o amigo Padilha, proprietário da Fazenda Matrinchã, localizada entre os rios Arinos e Claro, no estado de Mato Grosso, mas pertencente à bacia amazônica, no município de São José do Rio Claro, aproximadamente 330 km de Cuiabá.

Daí para combinarmos uma viagem à região foi um pulo. Fiquei freguês e o resultado foi um de meus primeiros vídeos de pesca, “Matrinchã – Uma Aventura na Amazônia”.

A bacia amazônica é constituída pela maior rede hidrográfica do planeta, ocupando uma área de 7.000.000 km2, dos quais 5.400.000 em território brasileiro, sendo seus cursos fluviais classificados como rios de planície.

Possui a mais rica fauna de água doce do mundo, e seu representante mais conhecido e de maior prestígio já na época era o tucunaré. Pouco se conhecia e se falava na matrinchã, não era peixe comum na época e nem existia em Pesque & Pagues. Estamos falando do ano de 1991, quando a pesca esportiva começava a dar seus primeiros passos graças a Rubens de Almeida Prado, o pioneiro que deu o ponta-pé inicial ao processo.

Na natureza, poucos eram os pescadores que tinham tido o prazer de cruzar o caminho da matrinchã, pois era espécie circunscrita exclusivamente à bacia amazônica.

A matrinchã nos deixa a impressão, ao vê-la pela primeira vez, de ser um lambari crescido e mais carnudo, com dentes pequenos, mas fortes, aguçadíssimos. Pertence à família dos salmonídeos e caracídeos, como os dourados, segundo alguns, e são parentes próximos das piracanjubas, segundo outros. Essas eram as informações que tínhamos na época.

Independentes dessas questões são excelentes lutadoras e saltadoras, oferecendo um emocionante combate quando fisgadas, prolongando a satisfação do pescador, pois não se entregam facilmente, são boas de fôlego, superando facilmente o tucunaré nesse quesito.

Não sei com está hoje o rio Arinos e seus afluentes, mas na época era um dos melhores rios para sua pesca, devido à quantidade e tamanho de seus exemplares, na média entre 2 e 3 kg, embora não raro capturássemos exemplares de 4 kg. Chega a 5 kg e 50 cm de comprimento.

São peixes que freqüentam águas limpas e rápidas, corredeiras, onde ficam escondidos atrás de obstáculos como paus, pedras, tocos, etc, à espreita de sua futura vítima, que atacam com espantosa velocidade, dando pouca margem à fuga.

Apesar desse espírito caçador, alimenta-se também de pedaços de carnes, coração de boi, além de frutas da região como caju, jenipapos, etc. Não despreza insetos, répteis e pequenas aves. O que vier ela traça. Uma ocasião, ao limparmos a barrigada de uma matrinchã na faixa dos dois kg, encontramos em seu interior um pequeno nhambu. Não imaginamos como foi parar ali.

Em função de seus hábitos alimentares ataca muito bem qualquer tipo de isca artificial, tanto de superfície quanto de meia-água ou profundidade, como pode ser observado em nosso vídeo sobre matrinchã. Não é propaganda do vídeo porque hoje não tenho mais nem para remédio. Estou falando da pesca da matrinchã em seu ambiente natural, passando longe de qualquer Pesque & Pague, onde a ração é seu alimento principal e predileto.

Existem, entretanto aquelas iscas que são mais eficientes, e destacamos pela ordem as mais efetivas no “ranking” de sua pesca:

  • Spinner (Blue Fox ou Meps). As garatéias (se for o caso) devem ser trocadas por um único anzol, do tipo utilizado para pacu. O número 5 é uma boa pedida.
  • Colher Jonhson ¾ e ½ OZ. Podem ser usadas prateadas ou douradas, mas minha preferência recai na prateada para os dias de sol.
  • Plugs de barbela. São vários os modelos eficientes. Para se ter uma idéia, na época as mais efetivas eram as Long A 15 da Bomber e a Red Fin 900 da Cotton Cordell. Já para superfície as mais indicadas eram as Jumpin’Minnow e as Zaras Spook. Estamos falando de 1991, minha gente.
  • Jigs. São ideais para pesca de fundo, nas cores brancas e amarelas.

Os pescadores profissionais da região utilizavam um macete interessante. Como pescavam exclusivamente com spinners (lá chamados spinas), colocavam na ponta do anzol um pedaço de peixe ou de carne, que não atrapalhava a ação da isca. Segundo eles, isso assegurava que o peixe não refugava se não pegasse a isca no primeiro ataque, insistindo até ser fisgado. Essa tática só pode ser utilizada com spinners, não utilizar com plugs ou colheres.

Já as iscas naturais eram mais utilizadas nas pescarias noturnas. Eram pedaços de frutas ou peixes, mas normalmente optávamos pelo peixe ou carne, como pedaços de traíra, lambari, coração de boi, etc.

Como a pesca era feita em águas rápidas e corredeiras, não utilizávamos o motor elétrico, pois não tinha força para vencer a correnteza. Assim, nada substituía a habilidade dos piloteiros com o remo. Era uma pescaria “de rodada” e de “arremesso com iscas artificiais”.

Nesse tipo de pesca o ideal era utilizar carretilhas ou molinetes com boa velocidade de recolhimento, de 5 para 1 em diante, devido a rapidez das águas e consequentemente a passagem rápida pelos pontos. Dificilmente conseguia-se bater duas vezes o mesmo local.

As varas eram de ação medium heavy, com ponta dura, com comprimento entre 5.6 a 6 pés.

Quanto à linha empregada, a de 17 lbs era suficiente. Na época não achávamos necessária a utilização de leader, opinião modificada ao longo dos anos. Um leader de 0,50 a 0,60mm ajudaria no embarque do peixe e na briga nas galhadas, pois para a dentição da matrinchã só encastoamento.

A regulagem da fricção deveria ficar em volta de 1/3 da resistência da linha, para tentar segurar a matrinchã na hora da fisgada, pois a exemplo do tucunaré, sua primeira arrancada é em direção dos enroscos.

Já na pescaria noturna o peixe procura as águas calmas dos barrancos e praias, atacando o que cair ao seu alcance. Utilizávamos pedaço de peixe ou coração de boi, como já dissemos, e os arremessos eram feitos nas sombras dos barrancos, fora da claridade da lua, se houvesse. Nesse caso, devido a forte dentição do peixe, era necessária a utilização de um encastoamento de aço de 10 cm aproximadamente, empatado com anzol de boa qualidade número 5 ou 6. Era opcional a utilização de uma pequena chumbada, para facilitar os arremessos. O restante do material e procedimento era o mesmo utilizado na pesca com iscas artificiais.

Como já disse antes, a fazenda está localizada entre os rios Arinos e Claro, e tínhamos duas maneiras possíveis de realizar uma pescaria na região. A primeira era descer o rio Arinos pinchando, praticamente sem a utilização dos motores de popa, ao sabor da correnteza, até chegar próximo à embocadura dos rios Alegre e Marape, onde era montado um acampamento mais estruturado, e base para ficar alguns dias em contato com a maravilhosa selva amazônica, usufruindo seus sons, cheiros, sabores e pescarias. Dois dias nesse ponto, acrescido do tempo de descida, era mais que suficiente.

Essa viagem até esse ponto, desde a fazenda, durava 3 dias de viagem, só parando para o almoço, e pescando o resto do dia na descida. À noite, em acampamentos improvisados, armávamos as redes e adormecíamos contemplando maravilhados o céu estrelado que só longe dos grandes centros podemos observar.

A volta à fazenda, subindo o rio, podia ser feita em viagem ininterrupta de aproximadamente 6 horas a todo motor (15HP).

A outra opção era pescar no rio Claro, um dos mais bonitos que já vi, cercado por floresta exuberante e piscosidade sem par. É rio estreito e de fortes corredeiras, perigoso para quem não o conhece devido ao seu fundo de pedras, apesar de poder ser observado quase todo o tempo devido à limpidez de suas águas. Era a melhor opção para quem não gostava de aventuras ou era mais comodista, pois podia gozar do conforto da fazenda e das pescarias em idas e vindas todos os dias para os pesqueiros. Com paradas para almoço na sede e descanso na rede.

Não sei hoje em dia, mas naqueles tempos o que nos surpreendia é que quase não existia pesca predatória na região. Os profissionais da pesca apenas a exerciam no período de julho a outubro, época ideal para a pesca da matrinchã, e a faziam em barcos de madeira, sem motor de popa, que eram soltos no rio Claro, próximo a São José do Rio Claro, descendo ao sabor da correnteza até a desembocadura no rio Arinos, onde continuavam descendo ao sabor da correnteza até uma localidade chamada Vaca Branca, depois dos rios Alegre e Marape, já citados, com pausas somente para almoço e pernoite, em viagem total de aproximadamente quatro dias, onde eram recolhidos e trasladados para a cidade (São José do Rio Claro). O rio Alegre é também chamado Parecis (assim aparecia nos mapas)

O restante do ano os pescadores exerciam outras atividades, e no período da pesca não utilizavam redes ou tarrafas, apenas um spinner artesanal a que chamavam de spina, como já foi dito, e que arremessavam e recolhiam com linha de mão.

O máximo que vimos naquela época em pesca predatória foi a utilização de espinhéis, mesmo assim armados por amadores de fins de semana, moradores da cidade e fazendas marginais.

Nessa região da bacia amazônica a floresta conservava em quase toda sua totalidade a mata densa e original, mas queremos deixar claro que tudo o que foi relatado aqui se baseia em experiências pessoais de diversas viagens que fizemos àquela região naquela época.

Todas as fotos que vocês viram aqui são fotos antigas de baixa qualidade e retratam apenas uma pescaria de dois dias que fizemos com os amigos Nelson Turri, Ismar de Barros Gomes e Luiz Carlos dos Santos Conrado. Foi uma experiência maravilhosa pescar com esses amigos, por gentileza do proprietário da fazenda na época, José Carlos Padilha, que após efetuar as gravações, juntamente com o Quico Guarnieri, voltou para São Paulo e nos deixando a fazenda à disposição. Eu tinha ficado na fazenda um dia à espera do pessoal, retornando três dias depois com eles.

As aventuras descendo o rio Arinos e acampando, assim como as estórias das pescarias nesses três dias ficam para depois, para não tornar muito extenso e enfadonho esse relato, mais do que já está.

Finalizando, deixo aqui a citação de Antonio de Pádua Bertelli, com pequeno acréscimo, que resume para mim o que representa o pescador esportivo:

TODO PESCADOR ESPORTIVO, POR FORÇA DO ESPORTE, ACABA SE TRANSFORMANDO EM AMANTE DA NATUREZA E CONHECEDOR PROFUNDO DE SUAS RIQUEZAS, SE TORNANDO UMA DAS ESPERANÇAS PARA A CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE.

E não se esqueçam do Pesque & Solte. Cultivem esse hábito!

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Sobre o autor

Marco Antônio Guerreiro Ferreira

 
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